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domingo, 6 de novembro de 2011



Diversidade Sexual - Uma breve introdução
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21 de abril de 2007
coturnodevenus_logomarcaO preconceito em torno à homossexualidade espalha uma idéia de que homossexuais se relacionam com o objetivo exclusivo de fazer sexo. Se, na sociedade, o sexo é visto como pecado, sujeira etc, e se não é reconhecido o amor, a afetividade entre pessoas do mesmo sexo, as relações homossexuais são vistas equivocadamente como relações de promiscuidade e perversão. O termo "homoafetividade" é utilizado para visibilizar e romper com o paradigma de que a homossexualidade está necessariamente restrita ao ato sexual. Que sim, a homossexualidade envolve relações afetivas e/ou sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Kelly Kotlinski Diretora executiva e Assessora em Gênero e Direitos Humanos - Coturno de Vênus
Neste artigo, abordaremos o tema diversidade sexual, traremos alguns entendimentos possíveis sobre essa questão que é cercada pelo estigma e pela desinformação. Em seguida incluímos o que entendemos por alguns conceitos utilizados nesta obra.
É impossível falar de diversidade sexual sem enfrentar o debate sobre relações de gênero, conceito este que nos pré-requisita o entendimento de outros dois: sexo e gênero.
Sexo refere-se às características específicas e biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, ao seu funcionamento e aos caracteres sexuais secundários decorrentes dos hormônios. O sexo determina que as fêmeas têm vagina/vulva e os machos têm pênis; apenas isso. O sexo não determina por si só, a identidade de gênero, e muito menos, a orientação sexual de uma pessoa.
Gênero não é um conceito biológico, é um conceito mais subjetivo, podemos dizer que é uma questão cultural, social. Gênero é um empreendimento realizado pela sociedade para transformar o ser nascido com vagina ou pênis em mulher ou homem. Nesse sentido, gênero é uma construção social, é preciso um investimento, a influência direta da família e da sociedade para transformar um bebê em 'mulher' ou 'homem'. Essa construção é realizada, reforçada, e também fiscalizada ao longo do tempo, principalmente, pelas instituições sociais, são elas: a igreja, a família e a escola.
Os valores sociais, morais, as regras de uma sociedade variam de acordo com o tempo, o espaço, os interesses, o nível de conhecimento e a liberdade de questionamento dessa sociedade.
Nesta sociedade, gênero refere-se aos papéis sociais diferenciados para mulheres e homens.
Assim podemos entender que a heterossexualidade enquanto uma regra social também é produto de um processo pedagógico que se inicia no nascimento e continua ao longo de toda a vida. Ou seja, nesta sociedade, se nascer fêmea, será ensinada a cumprir o papel de gênero "mulher", e a ter uma orientação sexual "heterossexual".
Neste sentido, sexo, identidade de gênero e orientação sexual são valores ou conceitos fechados, pré-construídos e compartilhados pelas instituições sociais. De tal forma que, se uma pessoa ousar questionar seu próprio sexo, ou tiver outra identidade de gênero além daquela pré-estabelecida, ou ainda que se expresse sexualmente fora do padrão heterossexual, esta pessoa estará, no mínimo, convidando a sociedade a uma "revolução de valores". Pode-se dizer que esta pessoa está pondo em questão, ou problematizando o sistema dominante.
Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros rompem com o sistema dominante, estão além das barreiras conceituais do que é sexo, identidade de gênero e orientação sexual, convidam a sociedade a uma visão mais ampla e diversa. Mas, em muitos casos, a comunidade LGBTTT é alvo de intolerância, discriminação, preconceitos e violências de autoria de uma parte da sociedade que tem imensas dificuldades em lidar com a diversidade e que é violenta.
Sexo, identidade de gênero e orientação sexual são três âmbitos distintos de expressão ou vivência social de uma pessoa. E são várias as possibilidades de entendimento e expressão dentro de cada âmbito. Assim como o sexo não define necessariamente a identidade de gênero, a identidade de gênero não define a orientação sexual de uma pessoa.
Reconhecer todas essas possibilidades e ainda outras que podem surgir, é perceber a diversidade sexual, é respeitar a diversidade humana, contribuindo assim com uma sociedade justa, diversa, igualitária e livre.
Quanto à homossexualidade..
Não é contra a natureza - Em 1979, uma pesquisa sobre o comportamento das baleias orcas, observou pela primeira vez, a homossexualidade entre os machos da espécie. Já em 1999, foi lançada uma pesquisa bastante completa e abrangente sobre a homossexualidade na natureza. Em seu livro Biological Exuberance - Animal Homosexuality and Natural Diversity(1), o pesquisador Bruce Bagemihl analisou mais de 400 espécies, na maioria mamíferos e aves, todas praticantes, em maior ou menor grau, de hábitos homossexuais. A pesquisa mostra, inclusive, que as relações homossexuais na natureza não são fruto de "confusão" do instinto, aberração ou falta de fêmeas. Pode-se dizer que, a maioria dos animais homossexuais é assim porque é. O autor indica que a homossexualidade animal é muito comum em quase todas as espécies de mamíferos. Se por um lado se estima que cerca de 10% dos seres humanos são homossexuais(2), no reino animal, essa parcela pode chegar a 27% dos indivíduos de uma mesma espécie.
Mais recentemente, Joan Roughgarden, bióloga inglesa amplamente reconhecida por seus estudos em teoria evolucionista, gênero e sexualidade, lançou livro(3) sobre o mesmo tema.
Não é ilegal - Não há proibição, condenação ou leis anti-homossexuais no Brasil, ao contrário, ilegal é a discriminação de pessoas em virtude de sua homossexualidade.
Não é uma opção - Ser homossexual não é uma questão de escolha, e sim, uma condição da pessoa. Podemos dizer que ninguém escolhe ser homossexual, ninguém vira homossexual, a pessoa é homossexual. Sendo eu uma mulher, eu posso optar por fazer sexo com homens e até com mulheres, mas será que eu posso escolher gostar de fazer sexo com homens ou gostar de fazer sexo com mulheres? Será que eu posso escolher me apaixonar por um homem ou me apaixonar por uma mulher?
Não é doença - Tanto a Organização Mundial de Saúde, quanto o Conselho Federal de Medicina do Brasil, e até o Conselho Federal de Psicologia já retiraram, há décadas, a homossexualidade da lista de doenças ou desvios sexuais. No Brasil nenhuma pessoa pode ser submetida a tratamento para se "curar" de homossexualidade. Na palavra "homossexualismo" entendemos que o sufixo "ismo" significa doença, sendo substituído pelo sufixo "dade", que significa modo de ser. Por isso que hoje se diz homossexualidade.
O que entendemos por...
Homossexual - Palavra usada para designar uma das formas de orientação sexual possível, neste caso, é a relação afetiva e sexual entre pessoas do mesmo sexo. No sentido literal, a palavra tem origem grega, sendo homo, que exprime a idéia de semelhança, ou igual. Importante ressaltar que a orientação sexual não é definida necessariamente pelo sexo ou pela identidade de gênero de uma pessoa.
Homoafetividade - O preconceito em torno à homossexualidade espalha uma idéia de que homossexuais se relacionam com o objetivo exclusivo de fazer sexo. Se, na sociedade, o sexo é visto como pecado, sujeira etc, e se não é reconhecido o amor, a afetividade entre pessoas do mesmo sexo, as relações homossexuais são vistas equivocadamente como relações de promiscuidade e perversão. O termo "homoafetividade" é utilizado para visibilizar e romper com o paradigma de que a homossexualidade está necessariamente restrita ao ato sexual. Que sim, a homossexualidade envolve relações afetivas e/ou sexuais entre pessoas do mesmo sexo.
Identidade de gênero - Independente do sexo, um ser humano pode ter a identidade de gênero de mulher, de homem ou ainda outras identidades de gênero possíveis, lembrando que a identidade de gênero é uma construção social, e não um signo físico ou biológico.
Padrão heteronormativo - É o padrão social ou sistema social vigente na sociedade brasileira, onde a heterossexualidade é ensinada, reforçada e exclusivamente aceita pelas instituições sociais e pela própria sociedade.
Heterossexismo - Designa um pensamento segundo o qual todas as pessoas são heterossexuais. Um indivíduo ou grupo heterossexista não reconhece a possibilidade de existência legítima da homossexualidade, ou mesmo da bissexualidade. É a idéia de que a heterossexualidade é a orientação sexual "normal" e "natural", que comportamentos "não-heterossexuais" são um "desvio" da regra social, uma anomalia. O heterossexismo atribui vantagens à heterossexualidade, privilegia os direitos de heterossexuais em detrimento dos direitos de homossexuais. Por vezes sutil, o heterossexismo é a opressão de "não-heterossexuais" por meio inclusive da negligência, omissão, supressão e distorção dessas vivências.
Patriarcado - Sistema de organização política, econômica, religiosa, social etc, fundada numa hierarquia na qual a maioria das posições superiores é ocupada por homens. O patriarcado é também responsável pela exclusão social das mulheres nas várias esferas da vida.
Lesbofobia - Entendemos pela fobia que algumas pessoas e/ou grupos têm em relação às lésbicas. O termo é usado para descrever uma repulsa face às relações afetivas e sexuais entre mulheres, um ódio generalizado às lésbicas e todos os aspectos do preconceito e discriminação heterossexista. É apontada como causa da maior parte dos casos de violência sofridos pelas lésbicas no mundo inteiro.
Homofobia - Tal qual a lesbofobia, é uma postura de repulsa ainda mais ampliada, ou seja, em relação às e aos homossexuais, e ainda às e aos travestis, e às e aos transexuais.
A homofobia se expressa de muitas formas: dificultando a formação educacional e profissional de homossexuais; motivando demissões ou mesmo impedindo homossexuais de conseguirem uma vaga no mercado de trabalho formal; impedindo a expressão da afetividade de casais em vias públicas etc. Em muitos casos, chega ao cúmulo da violência física e ao assassinato de homossexuais, constituindo assim um problema de Estado, pois abarca a violação dos Direitos Humanos, de todo um segmento populacional. Portanto, o entendimento da homofobia deve ir para além de uma questão pessoal daquele que é homofóbico e ser assumido pelo Estado como um problema social a ser solucionado.
Igualdade - É um valor da democracia, que descreve o equilíbrio e igualdade de direitos e responsabilidades entre os membros da sociedade, independente de orientação sexual, gênero, faixa etária, classe, raça etc. Os direitos de uma cidadã heterossexual não podem ser diferentes dos direitos de uma cidadã homossexual, ou então o Estado está sendo desigual.
Diversidade - São as distintas possibilidades de expressão e vivência social das pessoas, dadas por aspectos de orientação sexual, gênero, sexo, faixa etária, raça/cor, etnia, pessoa com deficiência, entre outros.
Justiça - É o princípio básico de um "acordo" entre Estado e sociedade, que, para garantir a ordem social, defende os Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs). Deve restaurar os direitos ameaçados e garantir a implementação dos direitos não reconhecidos ou a criação de novos direitos. Baseia-se no sistema democrático, no Estado de Direito, na laicidade do Estado, combatendo todas as formas de desigualdades e injustiças.
Liberdade - Qualifica a independência do ser humano. Designa o direito à autonomia e à espontaneidade de expressão de uma pessoa. Prevê a livre expressão, movimentação, atividade política e de organização das e dos cidadãos. Orienta a ou o cidadão a se expressar e a atuar politicamente em defesa de valores democráticos, como a igualdade e os Direitos Humanos, a contestar e atuar politicamente contra situações de desigualdades sociais, políticas, jurídicas e econômicas.
Considerações finais
Desde 1997 o Brasil é citado em documentos internacionais(4) como um dos países que mais comete violência contra homossexuais.
Não há justificativas para o Estado ser omisso diante da homofobia. Uma sociedade que não garante os Direitos Fundamentais de todas as pessoas não é uma sociedade igualitária, livre, democrática e justa. Portanto, é dever do Estado brasileiro garantir os Direitos Fundamentais de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros.
Esperamos com este artigo ter contribuído para um maior entendimento sobre a diversidade sexual.
Indicamos para aquelas e aqueles que buscam mais informações, a parte final do livro, onde consta uma lista de referências bibliográficas e páginas eletrônicas utilizadas nesta obra.
(1). Fonte: Bruce Bagemihl, bibliografia na pág. 307 do livro (2). Fonte: Relatório Kinsey, bibliografia na pág. 308 do livro (3). Fonte: Joan Roughgarden, bibliografia na pág. 309 do livro (4).Fonte: Anistia Internacional. Página eletrônica http://www.br.amnisty.org
Fevereiro, 2007
---------------------------------------------------------------------------------- Kelly Kotlinski
Diretora executiva e Assessora em Gênero e Direitos Humanos - Coturno de Vênus. Ativista lésbica-feminista, Graduanda do curso de Gestão em Políticas Públicas da UNIEURO-Brasília. Co-coordenadora do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, fórum ligado a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
 

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