Total de visualizações de página

sexta-feira, 4 de novembro de 2011


O dia 5 de maio de 2011 pode ser considerado uma data histórica para o Direito brasileiro. Foi quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu por unanimidade a união estável entre casais do mesmo sexo. Até então, um casal homossexual só podia registrar sua união em cartório como uma sociedade de fato.
O voto do relator Ayres Britto foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie.   
Passados cerca de seis meses da decisão, o BLOG da FMP entrevista o juiz federal,Roger Raupp Rios, doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que fala sobre como o assunto está repercutindo no judiciário e na sociedade.  No dia 31 de outubro, Rios palestrou no evento Fronteiras Jurídicas da Faculdade de Direito da FMP.  
O que foi julgado no STF
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4277)
Ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, a ação buscou a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pediu, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 132)
O governo do Estado do Rio de Janeiro (RJ) alegou que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana. Com esse argumento, pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.
* Com informações do site do STF
Confira a íntegra dos votos de alguns dos ministros


ENTREVISTA com o juiz federal Roger Raupp Rios, doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

BLOG da FMP – Na sua avaliação, como a decisão do STF de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo repercutiu entre os magistrados e perante a sociedade?
Roger Raupp Rios – 
A repercussão da decisão do STF sobre uniões estáveis entre pessoas do mesmo pode ser considerada em vários aspectos e dimensões. Destacarei somente três. Há uma inegável repercussão jurídica. É a palavra final, do principal tribunal do país, que tem função de corte constitucional, sobre uma questão jurídica que ainda enfrentava resistência em mais de uma dezena de tribunais estaduais. Representa também um passo avante na concretização do direito de igualdade entre nós, especialmente numa área onde muito preconceito ainda persiste e, pior ainda, é disseminado de forma ativa por setores conservadores. Do ponto de vista social, um pronunciamento de um órgão judiciário de cúpula significa, do ponto de vista simbólico, uma manifestação de respeito e consideração dirigida a todos, tanto aos perpetradores da discriminação, quanto, e principalmente, a todos que experimentam a realidade deste preconceito, tornando a vida em sociedade menos difícil para estes. Do ponto de vista político, dentre tantos significados, destaco a inversão da questão homossexual: antes dessa decisão, na arena política, eram os discriminados que tinham que lutar para afirmar sua “normalidade”; após a decisão, são os homofóbicos que se veem desafiados na manutenção de seu discurso.
 BLOG da FMP – O que representa o posicionamento do STF?
Roger Raupp Rios – Além dos aspectos que salientei na resposta logo acima, o pronunciamento do tribunal representa a afirmação dos direitos fundamentais e da convivência democrática na sociedade brasileira, na medida em que o STF cumpriu sua função de guardião da Constituição e dos fundamentos da vida democrática, precisamente numa hipótese em que muitos ainda teimam em sustentar a discriminação.


BLOG da FMP – Há quem diga que o STF agiu como legislador no caso em específico. O que o senhor diria a respeito disso?
Roger Raupp Rios – Decidir sobre a interpretação da Constituição e as consequências do princípio da igualdade para a aplicação da lei civil não configura, a meu ver, atuação como legislador positivo. O tribunal não criou norma jurídica nova, nem acrescentou direito antes ausente no ordenamento jurídico brasileiro. Ao contrário, o que o tribunal fez foi aplicar a Constituição vigente, dizendo que determinada interpretação restritiva do código civil, que excluía os homossexuais do instituto da união estável, é incompatível com os direitos fundamentais que, como se sabe, são auto-aplicáveis.
BLOG da FMP – Temos uma lei no Rio Grande do Sul (11.872/2002) que sanciona atos discriminatórios contra homossexuais. Essa legislação é conhecida dos operadores do Direito? Há litígios que utilizam a argumentação da lei estadual? Já tivemos no RS réus que cumpriram penalidades dessa lei?
Roger Raupp Rios – A lei estadual gaúcha adota um modelo amplo, abrangente e compreensivo sobre o respeito e a proteção dos direitos sexuais, naquilo que o Estado pode dispor. Ela protege identidades, preferências, condutas, expressões e manifestações, relativas à sexualidade, no nosso estado. Não é uma lei sobre “direitos de homossexuais”, mas sim sobre o respeito, a liberdade e a não-discriminação em matéria de sexualidade. Pelo que sei, a lei não tem recebido a atenção devida e não temos casos onde foram aplicadas as penalidades administrativas ali previstas. É uma omissão grave, especialmente se consideramos a persistência da discriminação entre nós. Vergonhosamente, o RS registra desde grupos organizados de skinheads até violência disseminada, em escolas e nas ruas.
BLOG da FMP – Como os futuros operadores do Direito podem se preparar para atuar em processos que envolvam o direito da sexualidade?
Roger Raupp Rios – Creio que o primeiro passo é uma forte e sólida formação em direito constitucional, direitos fundamentais e direito da antidiscriminação. Daí se pode compreender e aplicar adequadamente os direitos sexuais, na medida em que estes são concretização de direitos humanos e direitos fundamentais clássicos (como a liberdade e a igualdade), bem como de direitos de reconhecimento, relativos ao respeito devido a todos e, em especial, aos grupos historicamente discriminados.
Feito isto, é necessário desenvolver a capacidade para compreender o papel do direito e da sexualidade na sociedade, que, muito além de uma orientação ou preferência individual, envolve a organização da vida em sociedade, não só na esfera privada, mas na vida pública. Assim como em outras áreas, a formação cultural e humanística é básica para uma atuação eficiente em casos debatendo direitos sexuais.
Juiz Roger Raupp Rios em palestra na FMP
·         comente
·         compartilhe 

Nenhum comentário:

Postar um comentário